Queridos amigas e
amigos,
Envio-lhes uma
reflexão que escrevi sobre a encruzilhada política que o Partido dos
Trabalhadores enfrenta neste momento.
Espero assim contribuir com o debate sobre os rumos e os caminhos para
superar os desafios que se colocam sobre nosso Partido. Estou aberto ao diálogo
e à reflexão compartilhada.
Abraço fraterno,
PATRUS ANANIAS DE SOUSA
O Partido dos Trabalhadores vive
a maior crise de sua história. Sabemos que a palavra crise comporta diferentes
significados e desdobramentos. Pode anunciar o fim como pode abrir novas
possibilidades. O primeiro passo para que a crise se torne um processo de
gestação e crescimento é não perder a memória e confrontar a realidade
presente.
É fundamental nesse momento
recuperarmos a trajetória do PT nos 35 anos de sua existência, as forças
políticas e sociais que possibilitaram o seu surgimento e expansão. Os
militantes que fundaram e consolidaram o nosso partido vieram de origens
diferentes, todos comprometidos com ideais de libertação e justiça social.
Viemos dos que lutaram e sobreviveram às prisões, torturas e exílios da
ditadura; do novo sindicalismo forjado nas lutas e greves históricas dos anos
1970; das comunidades eclesiais de base e das pastorais comprometidas com a
vida, a dignidade da pessoa humana e o bem comum; do movimento estudantil, das
escolas e universidades de onde vieram os professores e intelectuais empenhados
na construção do projeto nacional brasileiro. É sempre bom lembrar que no ato
fundacional e no processo de construção do PT estiveram presentes pensadores do
Brasil como Antônio Cândido, Sérgio Buarque de Holanda, Henrique de Souza
Filho, o Henfil, Mário Pedrosa, Hélio Pellegrino, Paulo Freire, Florestan
Fernandes...
O processo de construção do
Partido dos Trabalhadores foi a mais inovadora e instigante experiência
político-partidária da história do Brasil e umas das mais surpreendentes do
mundo. Fizemos um partido democrático, popular, plural, rigorosamente vinculado
aos interesses dos pobres e das classes trabalhadoras, construído de baixo para
cima, empoderando as bases.
Quando disputamos em 1982 as
primeiras eleições do PT em Minas Gerais -experiência que acompanhei mais de
perto, fui duas vezes Secretário-geral e Presidente do Partido - não tínhamos
um único vereador em todo o Estado, nenhum prefeito, nenhum deputado. Elegemos
naquelas eleições 1 deputado federal, 1 deputado estadual, 14 vereadores,
nenhum prefeito.
Fomos ganhando espaços pouco a
pouco e construímos o modo petista de governar; o modo petista de legislar; construímos
a esplêndida militância petista. A nossa opção inaugural foi fazermos do
Partido, para além das disputas eleitorais, um espaço pedagógico através de
cursos de formação política, ciclos de debates, conferências e reflexões sobre
o Brasil e os grandes temas políticos contemporâneos.
Nossos primeiros governos
municipais e estaduais foram marcados pela ousadia, criatividade, competência,
honestidade. Implantamos os orçamentos participativos, desprivatizamos os
espaços públicos, invertemos prioridades, priorizamos as políticas públicas
sociais, cuidamos dos mais pobres, democratizamos o poder, implantamos, em
parceria com a sociedade civil e os movimentos sociais, os conselhos e, a
partir deles, realizamos as conferências setoriais; viabilizamos políticas de
segurança alimentar e nutricional, combatemos à fome e a desnutrição;
participamos ativamente da consolidação do Sistema Único de Saúde-SUS; da Lei
Orgânica da Assistência Social – LOAS; procuramos cumprir as diretrizes
constitucionais relativas à Educação, à Cultura, à proteção das comunidades
tradicionais, ao meio-ambiente, ao princípio da função social da propriedade.
Os nossos parlamentares,
minoritários nas Casas legislativas municipais, estaduais e nacional
apresentavam importantes projetos de lei, sintonizados com os interesses da
maioria da população defendiam princípios e valores éticos; eram incansáveis no
combate à corrupção, trabalhavam em sintonia com a comunidade e os movimentos
sociais.
É verdade que algumas vezes ficamos tão encantados conosco
mesmos – porque a nossa política era basicamente correta e coerente- que
cedemos as tentações de um certo sectarismo em relação aos que pensavam e agiam
diferentes de nós. As vezes nos julgávamos donos da verdade e da ética.
Mas o fato histórico e objetivo é
que demos uma contribuição extraordinária ao desenvolvimento político e social
do Brasil, aqui incluídas as questões ambientais e culturais. Colocamos o
debate político e as políticas públicas em novos e mais elevados patamares;
cumprimos um papel civilizatório no País.
Preparamos, assim, os caminhos
para a eleição presidencial de Lula em 2002, depois das memoráveis campanhas
anteriores e das Caravanas da Cidadania que nos possibilitaram e ao futuro
Presidente um conhecimento mais aprofundado das diferentes regiões brasileiras.
Os 12 anos dos Governos Lula e
Dilma promoveram grandes mudanças no Brasil, especialmente no campo social.
Implantamos o mais vigoroso conjunto de políticas públicas voltadas para a
inclusão social dos pobres, dos trabalhadoras e trabalhadores de baixa renda: o
Fome Zero que cumpriu pelo menos uma parte considerável de seus objetivos em
2014, quando a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação-FAO retirou o Brasil do mapa da fome; o Bolsa Família e, vinculado
a ele a rede de proteção social; o Luz para Todos, o PROUNI, o FIES, a criação
de centenas de Institutos Federais de Educação Tecnológicas, as dezenas de
novas universidades abertas ou expandidas através do REUNI; o PRONATEC, as
ações do Plano Brasil Sem Miséria, o
Minha Casa, Minha Vida com mais 2 milhões de moradias entregues e mais 3,7
milhões de moradias contratadas; as obras do Programa de Aceleração do
Crescimento, o PAC.
Essas mudanças e conquistas que
levaram as sucessivas vitórias nas eleições presidenciais elevaram a
autoestima, a confiança do povo brasileiro e serviram de inspiração e modelo
para outros países; passaram aqui a ser, mais do que esquecidas, objetos de
ataques diretos ou subliminares, de setores de oposição que encontram hoje em
setores da mídia nacional e internacional o seu espaço mais vivo e operante.
A oposição, as críticas e
questionamentos fazem parte do processo democrático. Nós que lutamos contra a
ditadura sabemos o valor fundante da democracia, da liberdade e dos direitos
fundamentais. Mas quando a oposição democrática, que se faz dentro das normas
constitucionais e dos princípios republicanos, é substituída, dentro da pior
herança lacerdista, pela afronta direta ás próprias instituições democráticas,
é hora então de nos colocarmos em estado de guarda e vigilância.
Querem os opositores golpistas,
sempre fascinados pelo caminho mais curto e menos democrático para chegar ao
poder, passar ao País o sentimento de que nada foi feito, que nada
conquistamos, que somos um povo incapaz.
Vejo nesse ataque sistemático
orquestrado pelas forças conservadoras que nunca respeitaram o povo brasileiro,
mas que muito sabem aproveitar das nossas riquezas e colocá-las a serviço de
seus interesses egoísticos e patrimonialistas, não o combate à corrupção que
eles conhecem e praticam muito bem, mas
o combate às políticas públicas sociais; o combate ao projeto nacional
brasileiro, às possibilidades de afirmação efetiva de nossa soberania,
serviçais que são dos interesses que se opõem ao desenvolvimento das
potencialidades da boa e brava gente brasileira.
O Partido dos Trabalhadores
enfrenta hoje dois desafios: um no campo externo no contraponto às forças
direitistas que querem o retrocesso político e social do Brasil e a nossa
submissão aos interesses do grande capital. O outro desafio se coloca no plano
interno: acertar o Partido com os princípios, valores e compromissos que nos
levaram a construí-lo.
Nós construímos o Partido dos
Trabalhadores ao longo desses 35 anos, incorporando lutas e movimentos
anteriores, com sangue, suor, trabalho e lágrimas, recuperando as palavras
históricas de Winston Churchill, mas também com muita alegria, celebrações e
esperança. Construímos o PT com milhares de filiados, milhões de militantes,
apoiadores, simpatizantes, que jamais transigiram um milímetro de sua
honestidade, que nunca cobraram ou receberam um centavo pelo seu voto, pela sua
adesão às causas maiores que sempre defendemos.
A todos presto uma homenagem aos trabalhadores e líderes sind
icais que estiveram presentes na construção do PT em Minas,
exemplares na sua dignidade: José Gomes Pimenta, o imenso Dazinho, Joaquim
Oliveira, Milton Freitas, Maria Floripes do Nascimento, a doce e inesquecível
Flor, Joaquim Carroceiro de Governador Valadares, Paiada de Araçuaí, Vicente
Nica....
O PT deve hoje se dirigir a essa
militância combativa e generosa, deve colocar-se diante de sua própria
história, perante à memória dos que deram o melhor de suas vidas ao nosso
projeto partidário. Penso que a melhor maneira de fazê-lo é resgatando a nossa
identidade e o nosso projeto inaugural. Não foi o dinheiro que nos constituiu,
não foram os recursos de empresas nas campanhas eleitorais; o que nos
constituiu foi a força das nossas ideias, a determinação em fazermos do Brasil
um país mais justo e solidário, a dedicação da nossa militância.
A História nos ensina que os
testemunhos que atravessam os tempos, de Jesus de Nazaré ao Mahatma Gandhi,
fundam-se na coerência entre o pensamento e a ação, é o que nós chamamos de
integridade, de coerência, de coragem moral, de fidelidade a si mesmo. O PT,
nesta encruzilhada histórica, para reafirmar o seu projeto histórico e
confrontar os seus acusadores deve pôr em prática o que nós defendemos.
Nós defendemos no nosso projeto
de reforma política, o fim das contribuições financeiras das empresas nos
processos eleitorais. Vamos assumir perante nós mesmos e perante o povo
brasileiro que continuaremos trabalhando pela reforma política que defendemos.
Mas enquanto ela não for aprovada, nós vamos cumprir o que defendemos como se
fosse uma norma partidária, a partir de agora, a partir das eleições de 2016.
A realidade que nos impõe agora
confrontar e superar é que o PT aceitou as regras do jogo que sempre
prevaleceram nos processos eleitorais e de disputa política em nosso país. O
financiamento privado de campanhas eleitorais atingiu o paroxismo: impossível
continuar quando “ as visões se clareando” nos fazem melhor compreender o
contexto em que estamos inseridos. Os grandes grupos econômicos que irrigam as
campanhas eleitorais, cobram as contrapartidas que sempre caem na conta da
população. Vendo além, emergem as perguntas inevitáveis: esses recursos
financeiros enormes não deveriam ser direcionados para melhorar os salários e
as condições de trabalho dos trabalhadores dessas empresas? Não é o dinheiro
que deveria estar na fonte do imposto sobre as grandes fortunas e heranças? No
caso das empresas que realizam obras ou prestam serviços públicos não seria
melhor do ponto de visto do bem comum, que esses recursos estivessem
direcionados para que as obras e as políticas públicas sejam executadas com
maior eficácia e realidade? O princípio da função social da propriedade deve
ser levado também aos grandes ganhos e riquezas.
Além de recusar a contribuição
das empresas, o PT deve tomar outras medidas que apontam na perspectiva da
democracia interna, da ética e da transparência. Vejo de imediato duas: acabar
com o Processo de Eleições Diretas-PED para escolha das direções partidárias.
Aparentemente mais democrático e participativo, o PED não trouxe os resultados
esperados. Tornou-se, pelo contrário, um fator de manipulação. Levamos para o
interior do Partido os mesmos procedimentos condenáveis dos processos
eleitorais. Através do uso indevido de recursos financeiros desqualificamos o
PED com as filiações massivas de pessoas que muitas vezes nada sabem ou
praticam do ideário petista. Eleitores que são conduzidos para votar com
práticas que lembram os currais eleitorais e os chamados eleitores de cabresto.
Alem dessas práticas que não
coadunam com os princípios fundacionais do PT, o PED praticamente extinguiu uma
das nossas melhores experiências: as pré-convenções. Elas começavam com os
encontros municipais, nas cidades maiores precedidas pelos encontros zonais,
passavam pelos encontros estaduais e chegavam aos grandes encontros nacionais.
Nessas grandes e inesquecíveis plenárias ocorriam debates, teses e propostas
eram apresentadas. Nos intervalos, os delegados conversavam, se
confraternizavam. Momentos inesquecíveis em que o saudoso Governador sergipano,
Marcelo Deda revelava, além de sua esplêndida oratória, notáveis qualidades
musicais. Olívio Dutra declamava poemas gauchescos!
A democracia pressupõe o
encontro, a assembleia, o debate livre das ideias e projetos, a face a face,
essenciais na construção dos consensos que asseguram a unidade partidária na
diversidade e no pluralismo.
Outra questão que se coloca é a
transparência na aplicação dos recursos partidários. O PT inovou na gestão
pública, entre outras iniciativas, com o orçamento participativo. Seguramente,
disporemos de menos recursos e vamos precisar novamente da contribuição dos
filiados. O primeiro passo é chamarmos os filiados que contribuem
financeiramente para participar das decisões relativas à aplicação dos
recursos.
Desafia ainda o PT as grandes
questões temáticas. Qual é o nosso projeto para o Brasil? Em 2022, menos de 7
anos, estaremos celebrando os 200 anos da Independência do Brasil. Que País
queremos para nós, para nossos filhos, para nossos netos, para as gerações
futuras? Pretendo pensar essas questões e compartilhá-las nos próximos textos.